“O consumo é hoje o
grande fundamentalismo”
(Milton Santos)
(Milton Santos)
Observem as crianças ou
adolescentes indo às compras com os pais e atente que as exigências de muitos
deles é por produtos “de marca”. O material escolar, por exemplo, querem o mais
vistoso e mais caro pelo simples fato de carregarem uma grife ou um rosto famoso.
A família não ensina – muito menos a escola – que a capa do caderno é mero
invólucro a guardar o que deveria ser verdadeiramente importante.
As exigências consumistas
são as mesmas para a compra de celulares, tênis, roupas, óculos, bonés e paus
de self. O que está em jogo é o como se apresentar, como se destacar e ser
diferente na massa dos iguais. O que se busca com as marcas caras é um
verdadeiro paradoxo, ser igual e ser diferente ao mesmo tempo. Crianças e
adolescentes imitam os adultos e vice-versa.
Adultos adoram carros.
Possuir um carro é estar inserido no principal segmento do mercado de consumo. Mas,
se for possível, que não seja um carro “um ponto zero”. Carro 1.0 é banal
demais. Na pior das hipóteses, tem que se possuir pelo menos uma moto porque
quem anda a pé ou de bicicleta é invisível. Se a motocicleta tiver um ronco
turbinado, um tanto melhor. Aparece mais.
Consumir é existir. E
para consumir de novo e muitas vezes mais é preciso descartar. A indústria das
marcas tem uma incrível capacidade de se renovar para renovar o desejo de
consumir. Consumir e descartar eis o lema. A velocidade com que os objetos são
depreciados torna o consumo uma efemeridade.
Só as grandes obras de
arte duram para sempre. Não são objetos de consumo. Não depreciam. Não se
desgastam. Nem se descartam. São para a contemplação, para inspirar e fundar
tendências. As grandes obras de arte são para a eternidade. Não expiram. Não
tem prazo de validade. Não se prestam ao consumismo.
O paradigma do consumo sobrepôs
um novo fetiche a um fetiche mais antigo. O fetiche da mercadoria oculta um
mundo de trabalho por trás do seu valor de uso, por trás das vitrines e dos
balcões. As pessoas compram a mercadoria sem associá-la à produção e aos
produtores diretos. O consumo da marca, entretanto, deixa o que seria o valor
de uso original da mercadoria em segundo plano. – Porque o que importa antes de
tudo é a marca, o signo de distinção.
O modelo econômico
fundado no consumismo carrega grandes contradições. No seu livro O Horror
Econômico (1997), Viviane Forrester já denunciava uma grande perversidade: O
estímulo ao consumo numa sociedade neoliberal ancorada no desemprego. A
denúncia continua muitíssimo válida para a Europa contemporânea, com a adoção
das medidas ortodoxas de enfrentamento à longa crise da economia.
O consumismo tornou-se
modo de viver no mundo globalizado sem a sociedade planetária encarar o drama
vergonhoso da fome para extirpá-la em toda e qualquer latitude; sem elevar o
piso de consumo digno para toda pessoa; sem um compromisso verdadeiro com a
sustentabilidade. O consumismo não admite um teto e o futuro que se dane.
A sociedade do consumo
impôs-se a humanidade como na fábula da cenoura e do burro. Na fábula, a cenoura
é a felicidade do burro. Se o burrinho falasse, diria que consumir é a
felicidade dos burros. Só que “com gente é diferente”: agora não se trata mais
de um consumo qualquer, porque a marca é o que importa.
FOTO: CARIRI EM FOCO