Mudança em projeto que flexibiliza Lei da Ficha Limpa acaba com brecha que beneficiaria Bolsonaro
BRASÍLIA
A atual redação do projeto de lei que flexibiliza a Lei da Ficha Limpa acaba com a brecha que possibilitaria ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentar reverter sua inelegibilidade e concorrer nas eleições de 2026.
O ponto principal da proposta é a redução do prazo de perda dos direitos políticos. Sua autora é a deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Atualmente impedido de concorrer, Bolsonaro poderia ser beneficiado se o tempo de cassação fosse reduzido, podendo voltar a disputar eleições.
A proposta chegou a entrar em debate no plenário do Senado na terça-feira (18), mas a baixa presença de parlamentares e a possibilidade de que fosse rejeitada adiou a votação.
A redação que saiu da Câmara dos Deputadose foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) determinava que a perda dos direitos eleitorais ficaria condicionada a casos de "comportamentos graves aptos a implicar cassação de registros, de diplomas ou de mandatos".
Bolsonaro foi condenado em 2023 pelo TSE(Tribunal Superior Eleitoral) junto com seu então candidato a vice-presidente, o ex-ministro Walter Braga Netto (PL), por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Mas, como a chapa acabou derrotada nas eleições de 2022, o tribunal não cassou diploma ou registro do ex-presidente.
Como o projeto tinha efeito retroativo (ou seja, afetaria casos anteriores à sua aprovação), caso ele fosse aprovado da forma como estava após a votação na CCJ, permitiria a Bolsonaro tentar reverter sua inelegibilidade.
Depois dessa votação, porém, o relator do texto, o senador Weverton (PDT-MA), acatou uma emenda do líder do governo, Randolfe Rodrigues (PT-AP), que altera esse dispositivo e, na prática, acaba com esse argumento.
A redação proposta por ele mantém a inelegibilidade válida para casos de comportamento grave, mas suprime o trecho que condicionava essa pena à cassação de registros, de diplomas ou de mandatos.
Segundo parlamentares da base do governo e especialistas ouvidos pela Folha, essa mudança impede que o ex-presidente use o projeto (caso ele seja aprovado e transformado em lei) como argumento para tentar reaver seus direitos políticos.
"A emenda acatada elimina a possibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro alegar a norma em seu favor. Da forma como está no novo relatório, essa hipótese está descartada", afirma o advogado e ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
Três parlamentares aliados a Bolsonaro disseram, sob reserva, que não tinham notado a mudança, mas adotaram o discurso de que não acreditavam que o texto anterior seria suficiente para reverter a inelegibilidade do ex-presidente.
A principal esperança desse grupo reside noprojeto de lei da anistia, que hoje é alvo de divergências na Câmara dos Deputados e não tem a simpatia do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Bolsonaro e seus aliados tentam conseguir apoio de nomes do centrão para tentar fazer a proposta avançar.
No caso do projeto sobre a Lei da Ficha Limpa, o principal ponto do projeto é a mudança no início da contagem do prazo de inelegibilidade para oito anos.
Pelo texto atual, esse tempo passa a contar apenas a partir do trânsito em julgado da condenação, é acrescido ao tempo restante de mandato do político (caso ele ainda esteja em exercício) e pode ser cumulativo em caso de mais de uma sentença.
Com o projeto, o prazo deixa de ser cumulativo e passa a ser unificado em oito anos. Além disso, passa-se a contá-lo a partir da decisão judicial ou da condenação, da eleição na qual ocorra o ilícito ou da renúncia (ou seja, sem levar em conta o tempo restante no cargo).
"A maior gravidade deste projeto está na redução drástica dos prazos de inelegibilidade", afirma Márlon Reis.