Água à Venda? Privatização Parcial da Transposição do São Francisco Gera Debate no Nordeste

Governo planeja leilão bilionário para PPP na operação do Projeto de Integração do São Francisco; especialistas apontam riscos, vantagens e possíveis impactos para o acesso à água no Semiárido.



Por Portal Lázaro Farias

O Governo Federal pretende leiloar, ainda em 2025, uma Parceria Público-Privada (PPP) para a operação do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do país. A iniciativa privada ficará responsável pela operação, manutenção e investimentos estimados em US$ 2,76 bilhões — aproximadamente R$ 13,8 bilhões.

A proposta foi oficialmente apresentada no evento "PPP Américas", promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na última semana, em Lima, Peru. A previsão é que o edital seja publicado em agosto e o leilão ocorra em novembro.

Segundo informações apuradas pelo Portal Lázaro Farias, o modelo proposto garante à empresa vencedora 50% da água bombeada nos eixos Leste e Norte da transposição. O restante continuará sob controle público, mantido pelo Governo Federal por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

O que está em jogo?

O Projeto de Integração do Rio São Francisco tem como objetivo garantir segurança hídrica para mais de 12 milhões de pessoas em quatro estados do Nordeste: Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. A proposta da PPP é considerada uma alternativa para garantir a sustentabilidade econômica da obra, que enfrenta desafios de gestão, custos operacionais elevados e problemas de manutenção.

Análise: Vantagens e Desvantagens da PPP no PISF

Vantagens:

Aporte de capital privado: O modelo de PPP reduz a dependência do orçamento público e possibilita a continuidade dos investimentos em infraestrutura e melhorias técnicas.

Eficiência operacional: Empresas privadas podem oferecer maior agilidade na gestão, manutenção e inovação tecnológica.

Comprometimento contratual: A divisão de responsabilidades pode estimular o cumprimento de metas e resultados previamente acordados.

Desvantagens e riscos:

Risco de encarecimento da água: Com um sócio privado buscando retorno financeiro, o custo da água pode subir para os estados e, em efeito cascata, para os consumidores e produtores rurais.

Acesso desigual: Entidades sociais e ambientais alertam que o modelo pode comprometer o acesso democrático à água, especialmente em regiões mais pobres.

Fiscalização complexa: A regulação e o controle do serviço exigirão estrutura técnica e vigilância constante para evitar descumprimentos contratuais e garantir a qualidade do serviço.

Privatização disfarçada? Embora o governo mantenha 50% da água sob controle público, há críticas de que essa divisão possa, na prática, dar margem para a concentração do uso da água por setores mais lucrativos, como o agronegócio e a indústria.

Especialistas pedem cautela

Para o professor e pesquisador em políticas públicas de recursos hídricos, Dr. Carlos Mendes, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o modelo pode funcionar, mas precisa ser altamente regulado. “Água é bem público e essencial. Quando você compartilha sua gestão com interesses privados, precisa garantir que isso não prejudique a função social do recurso”, afirmou ao Portal Lázaro Farias.

A ONG Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) já manifestou preocupação com a possível comercialização do acesso à água. “A transposição foi concebida como um projeto social. A privatização, mesmo parcial, pode comprometer sua missão original”, afirmou em nota recente.

Opinião do Portal Lázaro Farias

A iniciativa de atrair o setor privado para garantir a sustentabilidade do Projeto São Francisco é compreensível diante dos desafios fiscais do país. No entanto, o acesso à água não pode ser tratado apenas como ativo econômico. Trata-se de um direito fundamental e estratégico, especialmente para uma das regiões historicamente mais afetadas pela seca e desigualdade.

É indispensável que o modelo de PPP venha acompanhado de transparência, mecanismos claros de controle social, tarifas acessíveis e prioridade para o consumo humano e agricultura familiar. Sem isso, o que poderia ser uma solução pode se tornar um novo problema.

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