Na contramão da OMS, planos de saúde mandam médicos receitar cloroquina

A despeito da falta de comprovação científica de que funcione no combate à covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, grandes planos de saúde particulares orientam e até pressionam médicos a prescrever cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com confirmação ou suspeita da doença que apresentam sintomas leves tomar em casa. 
Prevent Senior, Hapvida e planos do sistema Unimed, dentre outros operadores, adotam e defendem a prática.
A orientação —que precede o protocolo lançado na semana passada pelo Ministério da Saúde para o SUS (Sistema Único de Saúde), no qual orienta a prescrição do medicamento, originalmente utilizado contra malária e outras doenças, para casos leves de covid-19— vai na contramão da OMS (Organização Mundial da Saúde), que suspendeu temporariamente todos os testes clínicos que conduzia com a substância na segunda-feira (25). 
A decisão da entidade foi tomada após um estudo publicado na revista médica "The Lancet", uma das mais respeitadas do mundo, indicar que a taxa de óbitos entre pacientes internados que usaram os medicamentos era maior do que a dos que não usaram. O estudo conclui que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem piorar o estado de saúde dos pacientes em vez de ajudar.
Representantes dos planos de saúde ouvidos pela reportagem afirmam que os estudos divulgados tratam apenas de casos graves, e não os leves, como os de quem recebe a receita para tomar a substância em casa. Os planos defendem esse procedimento para quem tem os primeiros sintomas. 
Apesar de admitirem que o uso precoce dos medicamentos ainda não foi avaliado cientificamente, essas instituições defendem o protocolo e dizem que ele é seguro se feito sob supervisão médica (leia mais abaixo).
A recusa em chancelar a adoção do protocolo para receitar cloroquina e hidroxicloroquina para uso em casa na rede do SUS causou a saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde. Ele ficou menos de um mês no governo Bolsonaro. Seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, chegou a afirmar que o uso dos remédios para tratar a covid-19 em casa para casos leves poderia aumentar o número de mortes.
"Isso será cobrado" 
Médicos que trabalham para o convênio Hapvida, o maior operador de planos de saúde das regiões Norte e Nordeste, relatam que são pressionados por diretores da empresa a receitarem os medicamentos a seus pacientes.
"Nós recebemos mensagens constantes de membros da direção para uso da cloroquina ou hidroxicloroquina para pacientes com qualquer tipo sintoma semelhante ao da covid-19", diz um médico que trabalha para a empresa pelo sistema de teleconsulta e pediu para não ser identificado. 
"Recebi um pedido da presidência para que todos médicos prescrevessem a cloroquina de acordo com nosso protocolo institucional", lê-se em uma mensagem enviada por um dos diretores da operadora a um grupo de WhatsApp formado por profissionais da área de telemedicina. 
"Isso será cobrado em casos de suspeita de covid-19", termina a mensagem obtida pela reportagem.
"A percepção clínica de nossos médicos é de que o uso da hidroxicloroquina, em associação com outras drogas, na fase inicial da doença, tem sido um elemento essencial para evitar a gravidade da covid-19, em nossos pacientes", afirmou José Pinheiro, presidente da operadora, em um comunicado público divulgado no início de maio. 
A apuração do UOL, no entanto, permite afirmar que o uso do medicamento não é um consenso entre os médicos que trabalham para a Hapvida e que a pressão exercida tem gerado debates entre os profissionais e aqueles em posições de chefia do convênio.

UOL
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