Durante a solenidade de entrega do Ramal do Apodi, em Cachoeira dos Índios, no Sertão paraibano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma declaração que, para muitos, ultrapassou os limites do bom senso. Ao tentar emocionar o público, Lula afirmou que “Deus deixou um Sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da República e ia trazer água pra cá”.
O uso da fé como instrumento retórico na política não é novidade. No entanto, há momentos em que a mistura entre religiosidade e governo escorrega para o desrespeito. A fala do presidente, além de colocar Deus como coautor do sofrimento de milhões de nordestinos ao longo de séculos, peca por uma visão personalista do poder e ignora o legado de luta, dor e abandono vivenciado por gerações inteiras.
Em vez de reconhecer o esforço coletivo, institucional e histórico para a transposição do Rio São Francisco — uma obra que atravessou décadas e governos — Lula optou por uma narrativa messiânica, onde ele aparece como o escolhido divino, numa espécie de salvador solitário do povo nordestino. Uma postura que, para muitos analistas e cidadãos, soa arrogante e pouco sensível.
Num momento em que o país clama por mais seriedade na gestão pública e respeito à memória do povo, declarações como essa podem causar um efeito político contrário ao desejado. Em vez de aplausos, geram incômodo. Em vez de unidade, despertam críticas. Em vez de grandeza, revelam vaidade.
O povo do Sertão não esperou a chegada de um presidente para sonhar com água. Lutou, resistiu e pagou com suor e sangue o preço da exclusão e do abandono. Reduzir esse processo histórico à narrativa de que a seca foi uma espera divina pela eleição de um governante soa como um erro grave — talvez mais um entre os muitos deslizes verbais que a atual gestão já protagonizou.
Não se nega a importância de Lula na execução de trechos relevantes da obra hídrica, mas também não se pode permitir que isso seja transformado em culto à personalidade. A água que hoje chega à Paraíba é fruto de anos de cobrança da população, de batalhas políticas, de esforços técnicos e, sobretudo, da resistência de um povo que nunca deixou de acreditar, apesar de tantas promessas vazias.
No fim, a frase do presidente poderia ter sido uma mensagem de humildade e reconhecimento. Preferiu ser um marco de egocentrismo, que pode ficar entre aquelas palavras que jamais deveriam ter sido ditas por um chefe de Estado.
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